07 julho 2008

QUE PIB? QUE INFLAÇÃO?_ Perguntas dos leitores

A António coloca as seguintes questões sobre o PIB e sobre a inflação:
"Quando se diz por exemplo que o crescimento do PIB é de 1.5% estamos a falar de preços constantes ou preços correntes? É que se falarmos de preços constantes significa que de facto houve um crescimento económico de 1.5%. Isto é, que os cidadãos da região económica que registou esse aumento produziram na realidade mais 1.5% de riqueza. O que apesar de tudo não me parece muito mau. Mesmo 1% não me parece horrivel. E se quer que lhe diga, 0% a preços constantes também me não parece horrivel. Quer apenas dizer que em determinado ano os cidadãos de determinada região económica mantiveram o nivel de riqueza do ano anterior. Portanto ser bom ou mau nessas condições depende apenas do nivel de riqueza que essa região produziu anteriormente. Contudo se estramos a falar de valores a preços correntes então o caso muda de figura. Temos de "descontar" a inflação para podermos comparar. Neste caso a região económica terá de ter tido um crescimento pelo menos igual à inflação da sua região para que se possa concluir que a sociedade não terá ficado mais pobre do que no0 ano anterior. E qualquer décima que cresça acima da inflacção significa que a sociedade se tornou um pouco mais rica que no ano anterior.Outro aspecto a ter em conta é o grau de credibilidade do valor da inflação apurada. É evidente que tanto os governos como os bancos centrais têm interesse em não reconhecer taxas de inflação altas, já que o seu reconhecimento dava argumentos para elevados crescimentos da massa salarial o que constitui por si só mais um factor de tensão inflacionista, quer pelo lado do rendimento disponivel quer pelo lado do aumento do custo da produção. Por isso anda-me a parecer que anda muita gente a fazer mal as contas ou a considerar um cabaz que não traduz a realidade do consumo para fazer baixar os valores apurados da inflação. Não serei só eu a ter esta impressão e já há ex-ministros das finanças a levantar essa suspeita."
  1. Os números do PIB quase sempre são apresentados tendo em conta a inflação. Como o António refere, seria muito má ideia apresentar os dados em termos nominais. Se assim fosse, o PIB seria inflacionado pela subida dos preços. Por exemplo, como já aqui falámos, no Zimbabwe a taxa de inflação atinge os 150 mil por cento ao ano. Como o PIB a preços correntes mede o valor de tudo o que se produz num país (isto é, os preços de todos os bens e serviços multiplicados pelas quantidades transacionadas), então o PIB do Zimbabwe está a crescer e a taxas fantásticas. No entanto, se medirmos o PIB do Zimbabwe a preços constantes (isto é, temos X bens e serviços transacionados, mas assumimos que os preços desses produtos são de, por exemplo, 1999), então facilmente concluiremos que o PIB desse país tem decaído substancialmete nos últimos anos. O mesmo se passa em Portugal. Os dados do PIB são quase sempre os do PIB real (i.e. ajustado da inflação). E por isso, a variação é real e não motivada pela subida dos preços. Não temos que nos preocuparmos sobre isso.
  2. Quanto à taxa de inflação, como já aqui falámos, é verdade que há alguns problemas e dificuldades associados ao cálculo dessa taxa. Porém, a metodologia utilizada pelo INE e por outros institutos de estatística nacionais é comum a nível internacional (com algumas diferenças nacionais). O cabaz é determinado assumindo os hábitos de consumo de um cidadão médio. Como é uma média, não leva em linha de conta as taxas de inflação de acordo com os diferentes consumidores. Por exemplo, o cabaz de consumo dos consumidores mais pobres inclui uma maior percentagem de gastos em comida do que o cabaz dos mais ricos. Como os preços alimentares têm crescido mais do que outros produtos, os mais pobres têm taxas de inflação mais elevadas do que os mais ricos. No entanto, quando achamos a média, estas diferenças desaparecem. É esta uma das razões porque a taxa de inflação ainda não é muito significativa, apesar do aumento do preço do petróleo e dos bens alimentares

Obrigado

13 comentários:

Gi disse...

Só há muito pouco tempo é que ouvi (na televisão) pela primeira vez uma explicação mais ou menos compreensível de como é determinado o famoso "cabaz".

Fiquei a saber que a cada 5 anos o INE faz um inguérito a uns milhares de famílias para apurar os seus hábitos de consumo na altura, e o "cabaz" é alterado e calibrado (palavra minha) de acordo com os resultados desse inquérito.

Parece-me que finalmente percebo, depois de ler este seu post, como é que essa calibragem leva à diferença entre a taxa de inflação oficial e a impressão que temos, como consumidores, de como a inflação nos toca.

antonio disse...

Caro àlvaro,

Mil obrigados pelo seu esclarecimento. Esta minha duvida tem contudo uma razão de ser: Se considerarmos as taxas de crescimento da generalidade dos países europeus na ultima duzia de anos iremos verificar que poderá ter havido 1, 2 ou no pior dos casos 3 anos de recessão com crescimentos nulos ou mesmo levemente negativos mas todos os restantes anos tiveram crescimento positivo. Alguns anos terão sido de crescimento fraco mas terá havido um ou dois anos também de crescimento acentuado. Se considerarmos por exemplo nos ultimos 12 anos 2 anos de crescimento nulo e dez anos de crescimento a 2%, isto dará um crescimento capitalizado do rendimento na ordem dos 22%. Estamos a falar em termos reais. Isto é, o PIB e consequentemente o rendimento per capita é hoje 22% superior ao que era há 12 anos atrás. Como é possivel então esta enorme sensação generalizada de crise, lojas e restaurantes a fecharem e a enorme sensação de perca de poder de compra. Com raras excepções, julgo que a generalidade das pessoas se sente hoje mais pobre do que há 12 anos. E isso nota-se claramente no comportamento das pessoas. Não creio que isto seja uma mera ilusão. Como é popssivel que quando as pessoas aumentam em quase um quarto o seu rendimemnto real se sintam muito mais pobres e só se fale em crise.

E não me refiro apenas aos portugueses. Na minha actividade profissional estabeleço muitos contactos e negócios com ingleses, alemães,belgas e holandeses. E o sentimento de perca de poder de compra é generalizado.

Há algo que não bate certo.

Um abraço

António

Tiago Moreira Ramalho disse...

António, penso que posso ajudar em qualquer coisinha.

As economias por vezes crescem 2, 3, 4, 10% se for preciso, no entanto, este crescimento não é distribuído de forma igualitária, como é óbvio. Por exemplo, enquanto os bancos têm tido sucessivos aumentos de lucro (que só podem existir se houver dinheiro, claro), a administração pública tem tido sucessivos défices. Isto faz com que, à partida, os que recebem rendimentos a partir dos bancos tenham um aumento no seu rendimento superior aos da administração pública. Isto acontece com muitos outros sectores. Em termos médios, em Portugal tem havido aumento no poder de compra, no entanto, e apesar das políticas de redistribuição dos rendimentos, nem toda a gente sente isso...

Um abraço

Tiago Moreira Ramalho

antonio disse...

Caro Tiago,

Obrigado pela sua explicação. Também já encarei essa hipotese. Só que neste momento parece acontecer que a classe média está em grandes dificuldades e a queixar-se fortemente. Os mas frágeis, desde os reformados aos muitos milhares de pessoas que ganham salários tipo ordenado minimo estão à beira da ruptura. É certo que se diz, e parece ser verdade, que os ricos estão cada vez mais ricos. Mas será que nesta ultima década tera havido uma tão escandalosa redistribuição de rendimentos a favor dos ricos que justifique a sua explicação? É que nenhum actual ou ex-governante recente parece querer assumir que durante o seu mandato se terá dado uma tão escandalosa redistribuição de rendimentos a favor dos ricos que justifique esta sensação de crise que grassa pelo mundo ocidental e atinge também muitas grandes empresas.

Eu sou cada vez mais adepto da teoria da conspiração. Como deverá estar lembrado, há cerca de 20 anos os politicos debatiam ideias. Os numeros tinham pouca relevância. (tempos por exemplo a governação de mário soares). Hoje só se fala de numeros. Há numeros para todos os gostos. O oposição discute em alvoroço quando aparece a noticia de que o desemprego aumentou 0.1% e o governo entra em delirio quando o INE regista uma diminuição de uma décima nesse mesmo desemprego, vangloriando-se dos resultados da sua politica. Hoje os numeros tornaram-se o principal indicador e motivo de debate. A apresentação mensal ou trimestral dos valores dos grandes bancos centrais provocam imensos sobressaltos nas bolsas mundiais e um espirro do sr.Trichet ou do sr.Greenspan(ainda não decorei o nome do actual senhor do FED)podem levar à falência ou à fortuna muitas pessoas. E falando do sr. Greenspan, este era considerado o anjo da economia americana até há uns tempos. Hoje há já quem o diabolize. E não nos esqueçamos dos grandes escândalos financeiros que têm acontecido pela América e ultimamente pela França. E perguntemo-nos como foi possivel aos tão reputados auditores do BCP terem ignorado o que se passava no Banco? Com isto pretendo apenas dizer-lhe que os numeros valem o que valem e que há muita gente consciente da sua importância e ande a fazer ilusionismo com esses numeros. Aliás não há dia nenhum que não vejamos um politico a fazer uso apenas dos numeros que lhe convem. Com total despudor.

É politicamente incorrecto e totalmente desprovido de lógica dizê-lo, mas cada vez mais duvido da qualidade dos números que são divulgados.

Um abraço

Antonio

antonio disse...

Caro Tiago

E para apoiar a minha desconfiança relativamente aos numeros veja os Posts do Álvaro sobre o ilusionismo. Veja como num ápice os nossos alunos se tornaram uns barras a matemática. Veja com que despudor se manipulam os numeros.

Mais um abraço

Antonio

Anónimo disse...

Os valores do PIB não são desinflacionados pelo IPC (a inflação do "cabaz").
É "desinflacionado" pelo deflator do PIB, que não tem nada a ver com o inquérito a famílias.

Anónimo disse...

p.s. o comentário era destinado a quem comentou o post, não a quem o escreveu. Dito de outra maneira, repare-se que o autor do post separa o ponto 1 do ponto 2, que pouco têm a ver um com o outro.

Gi disse...

Miguel, explique lá o que é o deflator, SFF.

Em relação ao sentimento geral de que se vive pior apesar do crescimento real de que o António fala, não será possível que as pessoas, ganhando mais, se tenham aventurado em mais gastos e mais compromissos e agora se ressintam?

Ou seja, o célebre endividamento das famílias (e das empresas) não poderá ser porque, tendo um bocadinho mais dinheiro, acharam que podiam investir?

Anónimo disse...

O que o INE faz quando fala na variação do produto está a medi-lo em volume, e não em valor nominal.
Ou seja quantas maçãs é que uma empresa horto-frutícola produziu a mais, e não quantos euros de maça produziu.
O deflator é apenas o preço de cada maçã produzida. Ou seja também é uma medida de inflação, mas vem dos valores das produções das empresas e não de um cabaz de consumo como o IPC.

Eu não sei se as famílias estão a consumir mais ou menos, é bem provável que estejam a consumir menos. O consumo privado tem aumentado, mas este inclui consumo das empresas. De uma coisa não há dúvida, o nível de endividamento das famílias está muito muito alto, em parte fruto de alguns anos de juros muito muito baixos.

Quanto ao "sentimento geral", e correndo o risco de soar algo frio, eu não ligo minimamente ao "sentimento geral". Há 240 meses que o INE mede o "sentimento geral", o indicador de confiança dos consumidores, e não houve um único mês em que a confiança foi positiva. Um único nos 240! Olhando em retrospectiva, alguém acredita mesmo que desde 1986 a situação económica das famílias só tem piorado sem excepção?

antonio disse...

Caro Miguel,

Eu costumo pensar por mim e não ser demasiado influenciado pelas opiniões gerais e sentimentos gerais. Mas na minha vida profissional sou obrigado a negociar com clientes de várias nacionalidades. Ingleses, alemães, belgas e holandeses entre outros. As negociações são duras e dificeis e desgastantes. Discutem-se centimos em negócios que representam centenas de milhares de euros. E o sentimento geral desses negociadores, que ate pela própria natureza das suas funções têm de estar estar bem informados é de que vêm aí tempos dificeis e que a crise está para durar.

Mas ainda bem que você parece estar bem mais optimista. Faz falta ghente mais optimista.

Antonio

Alvaro Santos Pereira disse...

Caros(as) Miguel, António, Tiago e Gi

Muito obrigado pela estimulante discussão. Irei escrever um post hoje ou amanhã sobre o assunto e com comentários

Abraço

Alvaro

Anónimo disse...

Caro António,

em lado nenhum disse que estava optimista!
Apenas disse que não ligo ao "sentimento geral" que aparece nos jornais para formar a minha opinião.

E não tenho dúvidas que vêm períodos difíceis. Não acredito que a alta do petróleo seja temporária, e a nossa (mundial) dependência dele é muito alta.

(Fiquei curioso, por que diz que estou optimista?)

antonio disse...

Caro Miguel,

Falando em opiniãp geral, andamos todos a atribuir esta crise à alta do petróleo.

Mas a alta do preço do barril afecta-nos do mesmo modo a nós e à China. De certo modo onera mais um produto fabricado na China pois o peso a imputar ao custo energético no total do custo do produto é superior na China do que na Europa. Além de que depois existe a necessidade do transporte dsse periodo da longinqua China até aos paises ocidentais. O que benificia em termos relativos os que produzem no ocidente.

Miguel, o petróleo dá o colorido à crise. Mas a crise existe porque outros paises passaram a ser detentores do conhecimento e de grande capacidade produtiva e o ocidente perdeu esses manopolio.

E o ocidente não cosegue viver sem esse privilégio.

É o chamado sistema de vasos comunicantes em que os vasos se tendem a nivelar.

Um abraço

Antonio